Por Nelson Nascimento
Duas matérias publicadas na edição de
hoje (21) do New York Times International
Weekly levaram-me a refletir sobre o paralelismo que ambas têm com a realidade
brasileira, tanto sob o aspecto dos serviços públicos prestados pelo Estado,
quanto sob a ótica do conjunto de inciativas sociais do empresariado nacional.
A primeira notícia vem da América
Central. Por lá, segundo a reportagem do NYT
sob o título “Intermediário faz trabalho
da polícia em Honduras”, o jornal informa que Organizações não
Governamentais (ONGs) estão exercendo investigações policiais paralelas para
desvendar homicídios que, fatalmente, seriam esquecidos pelo “sistema de justiça penal corrupto e
sobrecarregado” daquele país. Vale lembrar que Honduras ostenta “o mais elevado índice de assassinatos em
tempo de paz no mundo todo”.
As atividades das ONGs hondurenhas, destacando-se
a atuação da Associação por uma Sociedade Mais Justa (ASMJ), consistem
basicamente em fazer “o trabalho que
policiais e promotores não conseguem ou não querem fazer, localizando
testemunhas, conquistando sua confiança e convencendo-as a cooperarem com as
autoridades”.
O Brasil não está muito distante deste
cenário. Alcançamos e permanecemos na marca de 27,2 homicídios para cada grupo
de 100 mil habitantes contra um índice de resolução de casos abaixo dos 10%, em
qualquer fonte pesquisada. Ou seja, com tais números ultrapassamos o limiar de
uma guerra civil declarada em termos de baixas humanas.
Aqui como lá, certos fatores são
comuns e recorrentes: o medo da testemunha se tornar vítima do mesmo crime ao
comparecer em juízo para depor; o péssimo conceito do sistema de justiça criminal
– a começar pela desconfiança na polícia - e o descrédito generalizado nas
instituições públicas concorrem decisivamente para formar resultados
decepcionantes e, consequentemente, aumentam o sentimento comum de impunidade. Tudo
isso cria um círculo vicioso que retroalimenta a criminalidade violenta e ajuda
a formar a espiral de desordem que temos hoje.
Daí a necessidade de se criar, em
nosso país, iniciativas semelhantes às das ONGs hondurenhas, para retirar parte
do trabalho investigativo das mãos não muito competentes das nossas
instituições e, talvez, estancar a escalada do binômio crime/impunidade.
A outra matéria do NYT que me chamou
atenção diz respeito à responsabilidade social voluntária do capital produtivo.
O texto, com a sugestiva chamada “Marca
de café financia saneamento em áreas pobres”, informa que a empresa Toms,
especializada no comércio de calçados, óculos de sol e vestuário, que adota
política do One for One – ou um por
um (para cada produto comprado, outro é entregue gratuitamente a uma pessoa
necessitada), resolveu entrar no mercado de bebidas finas – café!
Baseado no sistema característico de
suas vendas, a Toms anunciou em março, no South by Southwest, evento anual que
serve de vitrine para novos produtos e ideias, que “cada saco de café vendido financiará uma semana de água limpa para uma
pessoa” que necessita deste bem.
Segundo o jornal, “Até agora, a Toms doou 10 milhões de pares
de sapatos a crianças pobres, e cerca de 200 mil pessoas tiveram sua visão
restaurada graças ao faturamento da marca com a venda de óculos”, o que denota
honestidade no anúncio desta última operação com café.
O curioso é que o até aqui o obscuro Blake
Mycoskie, dono da Toms, não figurou em nenhuma das listas de bilionários da
Forbes, na qual desfilaram brasileiros afortunados, pouco afeitos a responsabilidade
social do capital e resistentes a ações para melhorar o mundo de onde tiram
suas fortunas.
Talvez venha daí a nossa
desafortunada condição sócio-econômico-cultural que cava o profundo fosso que
separa os poucos ricos nacionais da imensa legião de miseráveis brasileiros,
tão acostumados à bolsa-família e a outras esmolas estatais de caráter
alienante.
Aqui cabe um breve esclarecimento: nada
tenho em apreço ou em desfavor daqueles que souberam construir impérios
econômicos - mesmo os erigidos à custa de crimes ou sobre artimanhas inconfessáveis
à luz do dia. Reconheço que o manejo da história pertence ao vencedor de cada batalha
ao longo do tempo. Nesta hipótese, cabe somente ao vencido submeter-se obedientemente
aos novos ditames do status quo, até
conseguir sua própria vitória e reedificar, a seu modo, a nova ordem e reescrever
a história mais conveniente à sua atual situação. O mundo é assim...
Deixando de lado as divagações
político-filosóficas dos três últimos parágrafos, este humilde texto quer trazer
apenas uma breve reflexão sobre as iniciativas utilitárias da ASMJ de Honduras
e as intervenções humanitárias da Toms americana, em comparação com o nosso aparato
de justiça criminal e com o programa estatal de assistência social, respectivamente.
Por fim, sem ufanismo, tenho certeza
que, estruturalmente, o terceiro setor brasileiro e o empresariado nacional em
geral, têm suficiente robustez para reproduzir em conjunto atos e fatos maiores
e melhores que os acima relatados. Basta apenas um pouco de boa vontade de
ambos os segmentos para que a coisa dê certo. Afinal, estamos dentre as dez maiores
economias do mundo e somos bem maiores que Honduras.