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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Os Exemplos de Honduras e da Toms



Por Nelson Nascimento

Duas matérias publicadas na edição de hoje (21) do New York Times International Weekly levaram-me a refletir sobre o paralelismo que ambas têm com a realidade brasileira, tanto sob o aspecto dos serviços públicos prestados pelo Estado, quanto sob a ótica do conjunto de inciativas sociais do empresariado nacional.

A primeira notícia vem da América Central. Por lá, segundo a reportagem do NYT sob o título “Intermediário faz trabalho da polícia em Honduras”, o jornal informa que Organizações não Governamentais (ONGs) estão exercendo investigações policiais paralelas para desvendar homicídios que, fatalmente, seriam esquecidos pelo “sistema de justiça penal corrupto e sobrecarregado” daquele país. Vale lembrar que Honduras ostenta “o mais elevado índice de assassinatos em tempo de paz no mundo todo”.

As atividades das ONGs hondurenhas, destacando-se a atuação da Associação por uma Sociedade Mais Justa (ASMJ), consistem basicamente em fazer “o trabalho que policiais e promotores não conseguem ou não querem fazer, localizando testemunhas, conquistando sua confiança e convencendo-as a cooperarem com as autoridades”.

O Brasil não está muito distante deste cenário. Alcançamos e permanecemos na marca de 27,2 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes contra um índice de resolução de casos abaixo dos 10%, em qualquer fonte pesquisada. Ou seja, com tais números ultrapassamos o limiar de uma guerra civil declarada em termos de baixas humanas.

Aqui como lá, certos fatores são comuns e recorrentes: o medo da testemunha se tornar vítima do mesmo crime ao comparecer em juízo para depor; o péssimo conceito do sistema de justiça criminal – a começar pela desconfiança na polícia - e o descrédito generalizado nas instituições públicas concorrem decisivamente para formar resultados decepcionantes e, consequentemente, aumentam o sentimento comum de impunidade. Tudo isso cria um círculo vicioso que retroalimenta a criminalidade violenta e ajuda a formar a espiral de desordem que temos hoje.

Daí a necessidade de se criar, em nosso país, iniciativas semelhantes às das ONGs hondurenhas, para retirar parte do trabalho investigativo das mãos não muito competentes das nossas instituições e, talvez, estancar a escalada do binômio crime/impunidade.

A outra matéria do NYT que me chamou atenção diz respeito à responsabilidade social voluntária do capital produtivo. O texto, com a sugestiva chamada “Marca de café financia saneamento em áreas pobres”, informa que a empresa Toms, especializada no comércio de calçados, óculos de sol e vestuário, que adota política do One for One – ou um por um (para cada produto comprado, outro é entregue gratuitamente a uma pessoa necessitada), resolveu entrar no mercado de bebidas finas – café!

Baseado no sistema característico de suas vendas, a Toms anunciou em março, no South by Southwest, evento anual que serve de vitrine para novos produtos e ideias, que “cada saco de café vendido financiará uma semana de água limpa para uma pessoa” que necessita deste bem.

Segundo o jornal, “Até agora, a Toms doou 10 milhões de pares de sapatos a crianças pobres, e cerca de 200 mil pessoas tiveram sua visão restaurada graças ao faturamento da marca com a venda de óculos”, o que denota honestidade no anúncio desta última operação com café.

O curioso é que o até aqui o obscuro Blake Mycoskie, dono da Toms, não figurou em nenhuma das listas de bilionários da Forbes, na qual desfilaram brasileiros afortunados, pouco afeitos a responsabilidade social do capital e resistentes a ações para melhorar o mundo de onde tiram suas fortunas.

Talvez venha daí a nossa desafortunada condição sócio-econômico-cultural que cava o profundo fosso que separa os poucos ricos nacionais da imensa legião de miseráveis brasileiros, tão acostumados à bolsa-família e a outras esmolas estatais de caráter alienante.

Aqui cabe um breve esclarecimento: nada tenho em apreço ou em desfavor daqueles que souberam construir impérios econômicos - mesmo os erigidos à custa de crimes ou sobre artimanhas inconfessáveis à luz do dia. Reconheço que o manejo da história pertence ao vencedor de cada batalha ao longo do tempo. Nesta hipótese, cabe somente ao vencido submeter-se obedientemente aos novos ditames do status quo, até conseguir sua própria vitória e reedificar, a seu modo, a nova ordem e reescrever a história mais conveniente à sua atual situação. O mundo é assim...

Deixando de lado as divagações político-filosóficas dos três últimos parágrafos, este humilde texto quer trazer apenas uma breve reflexão sobre as iniciativas utilitárias da ASMJ de Honduras e as intervenções humanitárias da Toms americana, em comparação com o nosso aparato de justiça criminal e com o programa estatal de assistência social, respectivamente.

Por fim, sem ufanismo, tenho certeza que, estruturalmente, o terceiro setor brasileiro e o empresariado nacional em geral, têm suficiente robustez para reproduzir em conjunto atos e fatos maiores e melhores que os acima relatados. Basta apenas um pouco de boa vontade de ambos os segmentos para que a coisa dê certo. Afinal, estamos dentre as dez maiores economias do mundo e somos bem maiores que Honduras.

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